quarta-feira, 27 de abril de 2011

Mudança

Sentia aquele familiar nó na garganta, a frustração correndo por suas veias, encobrindo seu bom senso. Algumas lágrimas acumulavam em seus olhos, deixando sua visão turva, contudo ela se recusava sequer a piscar. Não choraria, não na frente deles. De punhos cerrados, fuzilava-os com seu olhar enquanto eles falavam e falavam do novo lugar onde eles morariam agora, da escola que ela e o irmão frequentariam, do trabalho maravilhoso que o pai faria naquele local, do quanto contribuiriam para a aldeia. Seria tudo maravilhoso, um mar de rosas, eles garantiam. "Mas eles não entendem." Pensou a garota, rancorosa. "Não entendem o que é ter de largar tudo a cada quatro anos e ir para lugares completamente sem noção." Ela queria gritar isso; queria mostrar a eles que nada seria maravilhoso, nada seria do jeito que eles acham, porque ela estaria longe de todos, de novo. Recomeçar nunca era fácil e, a cada mudança, um pedaço dela ficava perdido no lugar que deixara. Daqui a pouco estaria mais despedaçada e espalhada pelo mundo do que cinzas jogadas aos ventos, já pensava com humor negro.

Eles finalmente pararam com a lista das coisas magníficas que fariam lá. Eu não quero sair daqui!, quis gritar, quis sair correndo e se acomodar na casa da vizinha e de lá não sair mais a fim de não ter que enfrentar mais todo o drama. - Então, o que acham disso? - A sua visão turva não a impedia de ver o sorriso radiante da mãe nem o brilho excitado nos olhos do pai. Sentiu um aperto no seu coração, então, sabendo que uma palavra e eles largariam tudo em função dela, mesmo que seus dias de felicidade acabassem junto com isso. Porque eles gostavam de viajar, de mudar constantemente. E, por mais que mudar fosse algo que ela odiava mais que tudo no mundo, ela entendia. Sacrifícios tinham que ser feitos, por uma das partes. E ela conseguiria ser feliz no outro lugar, enquanto eles só se sentiriam presos na mesma cidade.

Sorriu apesar das lágrimas, apesar da fúria e da frustração. Ela se sacrificaria porque não seria tão doloroso. - Uma ótima ideia, mãe. - Falou, sem animação alguma. Sacudiu a cabeça algumas vezes, sua mente longe daquilo tudo, de volta nos dias de verão, onde tudo parecia mais simples. "É só mais uma mudança. Sobreviverei como nas outras." Ela tentou se convencer, mas algo em seu âmago dizia que, dessa vez, não seria tão fácil.

Somente horas depois de ter recebido a notícia, sentada na sua janela com as pernas para o lado de fora da casa e o rosto apoiado nas mãos, que ela deixou aquele nó em sua garganta se dissolver na forma de soluços. Todos tinham ido dormir; sofreria em silêncio, como sempre. Não era mais criança de fazer shows para atrair atenção e conseguir o que queria. Tinha aprendido isso há algumas mudanças.

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